segunda-feira, 22 de junho de 2009

Moçambique/ENH: Pesquisa constante de hidrocarbonetos e evoluir para empresa petrolífera

“A orientação que tivemos do Governo foi de inovar e formar quadros, para que a empresa esteja à altura de cumprir o seu mandato ... a ENH tem como missão evoluir para uma companhia petrolífera competente”, esta constitui a tónica dominante da entrevista concedida ao “Notícias” pelo Presidente do Conselho de Administração da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos. Nelson Ocuane fala da carteira de negócios da empresa e descreve, com detalhe, os investimentos em curso no âmbito da pesquisa de hidrocarbonetos e clarifica que ainda não é momento de falar-se em lucros, uma vez que ainda se está na fase de investimentos. Apenas para ilustrar a envergadura do investimento que está a ser feito, Nelson Ocuane explicou que somente na bacia do Rovuma, entre 2009 e 2010 vão ser canalizados cerca de 370 milhões de dólares na pesquisa de petróleo ou gás. Nelson Ocuane diz que uma das grandes conquistas recentes da empresa, reside no facto de ela ter uma proactividade dos pelouros que trabalham no core-business. “Passamos a produzir internamente reflexões em relação as nossa participações tanto ao nível técnico como de gestão. Não bastam os instrumentos, é preciso usa-los de tal forma que possamos ter ilações concretas das áreas”. Convidamo-lo, caro leitor, a acompanhar os excertos mais importantes da entrevista.


19 de Junho de 2009/Notícias

NOT - A CMH é constituída maioritariamente pela ENH e IGEPE. Que destrinça se pode fazer entre estas duas instituições sendo ambas do Estado?
NELSON OCUANE (NO) - A ENH tem um mandato de agir de forma comercial. Nós procurarmos o negócio. Quando se constituiu a CMH, por exemplo, uma Sociedade Anónima, trouxe-se o accionista Estado por uma questão do modelo de governação que tinha que ser instituído lá. Em última instância, a ENH, dos lucros que recebe reinveste noutros projectos. A participação do IGEPE flúi directamente para as Finanças. Então, a intenção era garantir que existisse, logo no princípio, alguns ganhos para o Estado com o objectivo de equilibrar a balança de pagamentos. Doutro jeito teria que se reinvestir e ficar-se à espera do apuramento dos resultados finais do exercício para, em caso de positivos, serem entregue ao Estado. Em suma, quando há partilha de dividendos, a parte do IGEPE flúi directamente para o Estado, enquanto a ENH tem que reinvestir.
NOT - Que aspectos relevantes há a ressaltar em ano e meio da actividade da empresa, sob gestão dos actuais executivos?
NO - Antes de mais é preciso referir que a ENH tem como missão evoluir para uma companhia petrolífera competente com uma carteira de actividades comerciais incluindo pesquisa e produção de petróleo e gás, bem como a sua distribuição para utilização interna e para os países vizinhos. A visão é que a ENH deverá optimizar o valor que pode ser gerado para Moçambique através da participação comercial na pesquisa e produção bem como em toda a cadeia de valores do petróleo.
A orientação que tivemos do Governo quando da nossa tomada de posse foi de inovar e formar quadros, para que a empresa esteja à altura de cumprir o seu mandato, bem como responder aos desafios que ao sector se impõem.
Nesse âmbito, uma das primeiras acções que desenvolvemos foi fazer uma análise estrutural e funcional da empresa. Com base nas constatações concebemos um projecto de apoio institucional, financiado pela NORAD em cerca 1.6 milhão de dólares com vista à introdução de uma série de reformas na empresa. Estamos a implementar uma solução integrada de gestão para as áreas de apoio (Recursos Humanos e Contabilidade e Finanças); aquisição de tecnologias especializadas para as áreas operacionais; elaboração do plano estratégico para os próximos cinco anos.
Neste contexto o que nós fizemos foi potenciar a área de core-business, que é a área de projectos e desenvolvimento assim como a área de pesquisa. Nesta duas áreas munimos o pelouro de pesquisa de instrumentos necessários para a avaliação técnica de oportunidades, bem como para a priorização e análise da viabilidade económica de cada um dos projectos.
NOT – Que se pode esperar desta empresa nos próximos cinco anos, sobretudo em termos de implementação da sua estratégia?
NO - O plano estratégico da empresa para os próximos cinco anos assenta nas áreas de core-business que é pesquisa constante de hidrocarbonetos, com vista à sua produção e comercialização em caso de descoberta. Tivemos que olhar para a estrutura da empresa e formalizá-la de acordo com aquilo que era, de facto, o modelo de governação que foi adoptado e de acordo com a lei das empresas públicas e respectivos estatutos.
Era preciso após a constituição do Conselho de Administração formalizar os diversos departamentos que pudessem operacionalizar o funcionamento da empresa. E uma das coisas fundamentais que introduzimos foi uma matriz de autonomia de decisão, a vários níveis desde o Conselho de Administração até às delegações.
Quando começámos a trabalhar, o projecto de Pande/Temane já tinha começado a produzir e a exportar gás natural para África do Sul. A empresa esteve, durante muito tempo, virada para este empreendimento, o que obrigou que fossem mobilizados grandes financiamentos para assegurar a participação do Estado moçambicano no empreendimento. Foram constituídas duas empresas subsidiárias da ENH, nomeadamente a Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos – CMH - e a Companhia Moçambicana do Gasoduto – CMG. Estas duas empresas foram criadas para poderem participar no empreendimento de Pande/Temane. A CMH detém 25 porcento do Centro de Processamento de gás de Temane dos campos de produção. A CMG detém 25 porcento de participação no gasoduto que parte de Temane, em Moçambique, à Secunda, na África do Sul.
A estrutura accionista da CMH é constituída em 70 porcento da ENH, 20 porcento do Estado moçambicano representado pelo IGEPE e 10 porcento dos privados nacionais e da CMG é constituída em 80 porcento do da ENH e 20 porcento do Estado moçambicano, representado pelo IGEPE. A ENH detém, igualmente, 25 porcento de participação no consórcio Matola Gás Company que construiu, opera e distribui gás no Parque Industrial da Matola, transportado através de um gasoduto que parte de Ressano Garcia a Matola
Para além disso a ENH tem participações na fase de pesquisas, nomeadamente na Bacia do Rovuma em que a empresa está envolvida em cinco blocos, com uma participação que varia de 10 e 15 porcento e na Bacia de Moçambique em três blocos, com participação que varia de 10 a 25 porcento. Durante este período foram assinados dois contratos; um para os Blocos 3 e 6 na bacia do Rovuma e outro para o Bloco de Búzi, na Bacia de Moçambique. Referir que a ENH detinha 100 por cento de participação no Bloco do Búzi, tendo cedido 75 porcento a empresa indonesa Búzi Hydrocarbon. Neste momento, a ENH está a negociar dois contratos, com a SASOL e a Osho, ambos na Bacia de Moçambique, com participações que variam de 10 a 15 porcento.
NOT - Havia também um défice em relação a mão-de-obra qualificada e que medidas foram tomadas para sanar o problema?
NO - No âmbito da capacitação em recursos humanos, procedemos ao recrutamento de 15 novos quadros para as áreas operacionais da empresa. Estes quadros foram submetidos à formação especializada tanto no país como no estrangeiro. Como estamos envolvidos em várias frentes os nossos técnicos têm que estar qualificados para estarem em condições de melhor defenderem os interesses do país.
Foi também feita uma revisão de processos e estamos agora num processo de informatização do nosso sistema de gestão, o qual se encontra agora em fase de testes. É um sistema de gestão integrada de recursos humanos e finanças, de tal forma que possamos ter, primeiro a tramitação processual mais rápida e o processo de prestação de contas em tempo útil. A empresa vai poder, a qualquer momento, saber o que é que está sendo feito ao nível da gestão diária da empresa, e isso vai permitir que possamos apresentar as contas em tempo útil.
NOT - Quais as hipóteses de aumento da participação do sector privado nacional nestas empresas?
NO - Isso vai depender muito da estratégia que vamos implementar. Neste momento estamos numa fase de investimento. Nesta etapa é difícil trazer o sector privado, porque ele (o sector privado) está à procura de projectos que lhes dêem retornos a médio prazo. Neste caso a estratégia que vamos adoptar é à medida que o serviço da dívida vai se diminuindo, vamos promovendo a entrada de privados até ao nível em que o accionista maioritário, o Estado definiu. Nesta fase de investimentos avultados pode não ser atractivo para os privados que queremos, que em princípio, devem ser moçambicanos.
NOT - Que balizas temporais foram definidas para a fase de investimentos?
NO - Vamos agora investir na fase de expansão que está já em curso. O investimento total vai ser feito mais ou menos em 10 anos, a partir da altura da contratação. Estamos a prever que o reinvestimento aconteça a partir de 2010.
NOT - Quanto é que custa a expansão e qual será a comparticipação moçambicana?
NO - A participação de Moçambique na expansão do Gás de Temane é de cerca de 100 milhões de dólares, ou seja, 25 porcento do investimento global, estimado em 400 milhões de dólares.
NOT - O Conselho de Administração está satisfeito com o actual desempenho da empresa?
NO - Isto está sendo conseguido na medida em que passamos a ter uma proactividade dos pelouros que trabalham no core-business. Passamos a produzir internamente reflexões em relação as nossa participações tanto ao nível técnico como de gestão. Não bastam os instrumentos, é preciso usa-los de tal forma que possamos ter ilações concretas das áreas.
Em cada uma das áreas em que temos participações é preciso ver o volume de reservas que lá existem, a participação que a empresa tem, o investimento que temos que fazer e a priorização dos projectos. Temos, por exemplo, a apresentação da situação do plano em relação ao orçamento mensal e temos relatórios trimestrais prontos a tempo, o que antes era difícil.
Neste momento estamos, para além da elaboração do plano estratégico, temos seminários de preparação do pessoal com vista à sua implementação. Introduzimos indicadores de desempenho para cada pelouro. Até agora o nível de desempenho é extremamente satisfatório.
LUCROS? AINDA ESTAMOS A INVESTIR
Dada a expectativa que reina à volta dos investimentos que têm vindo a ser canalizados, questionamos ao PCA da ENH sobre os resultados, ao que respondeu:
- É preciso dizer que neste momento estamos numa fase de investimento. Todas as participações na fase de pesquisa não estão em condições de dar lucro. O que está a acontecer nestas áreas é o investimento. O único projecto que neste momento está a produzir é o de Pande/Temane. Está a produzir, mas conforme disse, há necessidade de expandir. Há impostos. Tanto a Sasol como a CMH pagam impostos ao Estado e isto é um ganho directo para o Estado.
Em Moçambique, cerca de três milhões de gigajoules e esse gás esta a ser fornecido na zona da Matola e na cidade do Maputo, através da Matola Gás Company, em que a ENH detém 25 porcento de participação.
Para além disso, por via de dividendos a ENH também tem os seus ganhos em que depois de apurados os lucros é que iria pagar ao Estado, mas neste momento estamos ainda na fase de investimento e não há lucros e isso vai levar algum tempo.
NOT - Quando da cedência da participação da ENH à Hidrocarbones no projecto de Búzi, houve promessas do arranque do estudo ambiental em três meses. O calendário mantém-se?
NO - Assinámos o acordo em Abril e tínhamos 30 dias para fazer as aprovações necessárias para a materialização e, de facto, a 22 de Maio conseguimos todas as aprovações para que o contrato seja efectivo. Há algumas aprovações requeridas à luz do próprio contrato. Vamos ter, dentro em breve a reunião do comité de gestão em que vai ser aprovado o orçamento e o plano de trabalho para o desenvolvimento das actividades no bloco de Búzi. Os termos de referência para a contratação da empresa já estão elaborados e vai ser lançado o concurso até ao final do mês de tal forma que possamos seleccionar a empresa que vai fazer o estudo de impacto ambiental.
Há uma equipa que já se deslocou a Búzi para verificar as condições do terreno, mas que os trabalhos vão iniciar brevemente.
OFERTA DE GÁS PODE CRESCER
NOT - Neste momento, qual é o nível de consumo de gás natural em Moçambique?
NO - Moçambique consome actualmente três milhões e trezentos mil Gigajoules anuais, dos quais três milhões de gigajoules são distribuídos para consumidores comerciais e industriais na Matola, duzentos e cinquenta mil gigajoules a ENH fornece a consumidores domésticos e comerciais no norte de Inhambane e os restantes são usados para CNG para veículos em Maputo e Matola.
No norte de Inhambane, 115 consumidores domésticos se beneficiam directamente do gás natural para cozinha através duma rede de distribuição de 250 km de extensão detida em 100 por cento pela ENH.
Com vista a incrementar o uso de gás natural em Moçambique a ENH efectuou um estudo de mercado e de viabilidade para a implementação de um projecto de distribuição de gás canalizado na cidade e distrito de Marracuene, cujas projecções indicam um consumo de cerca de 2,5MGJ em 2010 podendo atingir os 7 MGJ em 2030.
NOT - Em termos de poupança, que vantagem representa o uso de gás em viaturas face aos derivados de petróleo
NO - Estudos apontam para uma poupança de cerca de 40 porcento quando se usa gás. Na produção de energia eléctrica, o carvão e a energia hídrica continuam competitivos. O problema do carvão é que é uma matéria-prima altamente poluente, enquanto o gás é ambientalmente são.
NOT – Mantêm-se todos os planos quanto à viabilização do projecto de produção de gás de petróleo liquifeito (gás de cozinha), a partir de concentrados?
NO - Existem dois cenários possíveis. Mas a ideia é que até 2011 ou 2012 Moçambique passa a produzir o gás de petróleo liquifeito e as projecções indicam que vão se produzir cinco mil toneladas por ano ou então 15 mil. Isso vai depender dos testes a serem feitos. Neste momento estão a ser feitos estudos com vista a viabilização deste projecto. O que se está a fazer é que durante a expansão serão criadas condições de tal forma que a planta de produção do gás de petróleo liquefeito seja anexada.
BACIA DO ROVUMA NOSSA ESPERANÇA
Muito se tem falado sobre a probabilidade de ocorrência de petróleo ou gás na bacia do Rovuma. Muito dinheiro tem vindo a ser canalizado para a área, o que, de certa maneira, acalenta esperança de um dia o chamado “ouro negro” venha a ser descoberto. Foi neste contexto que perguntamos a Nelson Ocuane, sobre os últimos desenvolvimentos nesta zona, ao que respondeu:
NO - Quando se fala de pesquisas de hidrocarbonetos a Bacia do Rovuma é a que está a ser altamente pesquisada. Só para elucidar, vão ser feitos quatro furos no mar e um furo na terra entre finais deste ano e princípios do próximo. Portanto, vai se testar a existência ou não de petróleo ou gás na Bacia. Nesta bacia, entre 2009 e 2010 vão ser investidos cerca de 370 milhões de dólares na pesquisa. Esta é a única forma de conseguir descobrir petróleo ou gás, não bastam os estudos preliminares. Todos os estudos preliminares são feitos através da sísmica ou outras tecnologias. A parir de finais de 2009 e princípios de 2010 vão começar os furos, aí vamos ter a indicação certa de existência ou não de hidrocarbonetos. Mas pelo volume de actividades o local mais promissora e que nos pode trazer os resultados com maior brevidade é a bacia do Rovuma.
NOT -(…) É que há muito dinheiro a ser canalizado para esta bacia…
NO - É que se não forem feitos investimentos não se vai saber o que é que lá existe. Temos que furar para podermos descobrir o que lá existe, que pode ser petróleo ou não.
NOT - (…) Se não houvesse alguma esperança não se canalizaria assim tanto investimento …
NO - O levantamento sísmico que é feito representa investimento. Só se conseguem resultados investindo. É um investimento de risco que não se sabe se vai ter retornou ou não.
NOT – Globalmente, quanto é que a ENH tem investido na prospecção de hidrocarbonetos?
NO - A ENH participa em quase todas áreas de pesquisa em regime de “carried interest”. Quer dizer, só pagará os custos incorridos pelas companhias parceiras na proporção da sua participação em caso de descoberta. Na Bacia do Rovuma, e havendo descoberta nos cinco blocos de pesquisa, a ENH teria que investir em cerca de 100 milhões de dólares, enquanto que na Bacia de Moçambique teria que investir em cerca de 63 milhões de dólares, isto até 2011, e, como referi, caso haja descoberta de petróleo ou gás natural.
NOT - Que se lhe oferece dizer, neste momento, quanto aos projectos de responsabilidade social que por imperativos da lei todas as empresas têm que as implementar?
NO - Conforme disse temos participações em todos os blocos. E em todos os projectos está previsto um valor que deve ser aplicado em projectos sociais identificados no local. Só para ter alguma ideia, na bacia do Rovuma existem investimentos anuais de mais de um milhão de dólares que o consórcio faz e 15 porcento disso é da responsabilidade da ENH. Isso já esta acontecer. (António Mondlhane)

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