9
maio 2013, Resistir.info http://www.resistir.info
(Portugal)
por José Ferrer*
Tive a
sorte, ainda na minha adolescência, de conhecer, pela mão do Jorge de Sena, o
poema Cena do ódio , do Almada Negreiros.
Entre outras passagens do poema, nunca esqueci a seguinte:
Ó
Horror! Os burgueses de Portugal
têm de pior que os outros o serem portugueses! [1]
Está
claro que a passagem pouco esclarece para além de si mesma, mas o certo é que
ela se aviva na minha memória sempre que tento perceber os motivos profundos
pelos quais Portugal não atingiu, ou atingiu mal e tardiamente, muitos
desenvolvimentos sócio-económicos logrados pela generalidade dos países da
Europa Ocidental na sequência da Revolução Industrial.
Isto, apesar da histórica abertura de Portugal ao Mundo, em força desde o século XV, da implantação da Maçonaria entre nós desde o fim do século XVIII, da chegada das ideias socialistas (geração de 70) pouco depois da publicação do Manifesto Comunista no século XIX. Um exemplo, que me é pessoalmente caro: a indústria siderúrgica, entendida modernamente, chegou com atraso da ordem de um século a Portugal; pois bem, passadas quatro décadas após o arranque (em 1961) do único alto-forno que explorámos, Portugal viu reduzir a sua siderurgia ao tipo da dos chamados países subdesenvolvidos, que iniciam logicamente a actividade industrial pela adopção das produções industriais menos complexas. Digamos que Portugal chegou tarde, e saiu cedo da siderurgia. O exemplo da siderurgia é o que se vê, apesar de Ferreira Dias, o então ministro da Economia de Salazar, ter afirmado décadas atrás: "País sem siderurgia, não é um país, é uma horta". Temos assim, por ora, uma siderurgia menor e, ao que vemos, sequer tivemos a sorte de constituir uma horta (entenda-se, agricultura) que nos pudesse alimentar capazmente. João Ferreira do Amaral (JFA), em livro assaz resumido mas de leitura instrutiva que acaba de lançar [2] , analisa muitos dos sérios problemas económicos em que nos vêm mergulhando, em particular desde a adesão ao Euro. Não é que JFA mitifique a economia que tínhamos antes, o problema que coloca, e, a meu ver, muito bem, é que o enquadramento criado pela integração de Portugal na zona do Euro – mesmo que não tivesse aparecido a chamada crise financeira em 2007/2008 – ter-nos-ia igualmente conduzido a uma crise deste tipo (desmantelamento do aparelho produtivo, elevado desemprego). O FEDERALISMO DOS ENDIVIDADOS... JFA rejeita tanto a deriva neoliberal em curso como a suposta alternativa do federalismo europeu. Desta via é cáustico ao ponto de comentar: os "nossos federalistas – que se lembraram que o eram quando começou a ser preciso que alguém nos pagasse as dívidas" (p.116). Daí que proponha a saída do Euro como medida indispensável à saída da crise em que estamos mergulhados. Um aspecto importa realçar: JFA não resiste a criticar os responsáveis pela condução da política e da economia que nos levaram à integração na moeda única, justamente porque invoca, e nisso não foi o único, os alertas que emitiu atempadamente contra os elevados perigos para a economia portuguesa que resultariam daquela opção. Mas, no fundo, e apesar de agora apontar responsáveis dirigentes da política e economia, é manifesto que a JFA terá custado a entender o motivo pelo qual, não obstante se viver em regime dito democrático, as coisas evoluíram como se sabe. JFA denuncia e exprime o seu desencanto:
"Chamei
frequentemente a atenção para o conceito de bens transaccionáveis (…) e para
o risco que estávamos a correr com a redução do peso da produção desses bens
no total da economia. Repeti a mensagem vezes sem conta em intervenções orais
e escritas. Sem qualquer resultado.
Lamento dizer que fiquei desde essa altura com uma péssima impressão das nossas elites, impressão que infelizmente tarda a desvanecer-se. O espesso manto de iliteracia económica que as afecta (mesmo de muitos supostos economistas), a suficiência bacoca e a total ausência de sentido crítico que as caracteriza fazem certamente de Portugal um dos países da Europa com piores elites". (p.106).
Assim,
uma vez mais, e da parte de pessoas que sequer se reivindicam do ideal
comunista, quando se atira para o aprofundamento das raízes dos nossos
problemas, aí temos a mesma ideia central: a burguesia portuguesa nem do
patriotismo de outras é capaz. Eis por que, sobre a tarefa de tratarmos da
saída do Euro, importa também avançar na substituição da burguesia pelas
classes trabalhadoras. Ponto é que estas se compenetrem de que chegou a hora
da sua intervenção e que se libertem dos atávicos receios de conquistar e
exercer o poder ao mais alto nível. Portugal precisa delas.
Maio/2013/Lisboa
[1] Líricas Portuguesas (Antologia), Selecção,
Prefácio e Notas de Jorge de Sena, Portugália Editora, (1958), Lisboa, p.111.
[2] Lisboa, Editora Lua de Papel , Abril de 2013, 128 p., ISBN 978-989-23-2314-5 Ver também:
Capítulo 5
de Porque devemos sair do euro , João Ferreira do Amaral
Rumo ao fim
do euro? , Jacques Sapir
*Engenheiro. |
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quinta-feira, 9 de maio de 2013
Portugal/PORQUE DEVEMOS SAIR DO EURO, um livro indispensável
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