quarta-feira, 8 de maio de 2013

DILEMAS E DESAFIOS DO CRESCIMENTO ECONÓMICO DE MOÇAMBIQUE *



7 maio 2013, Radio Moçambique http://www.rm.co.mz


Mário Machungo*

Este artigo sintetiza tópicos que nos remetem para a ponderação de diversos factores relacionados com o crescimento económico de Moçambique nos últimos anos e os desafios que se lhe apresentam no cenário da actual conjuntura económica internacional.

Com efeito, os principais drivers deste crescimento repousam num modelo baseado no investimento directo estrangeiro, com particular realce para os sectores de recursos naturais (carvão e gás), assim como infra-estruturas de energia, caminhos-de-ferro e portos. Por arrastamento, os sectores tradicionais do agroprocessamento, o turismo e a reconstrução do tecido social complementam aqueles sectores. Deste modo, convive-se com a dicotomia entre os grandes investimentos orientados para o sector de exportação e de capital intensivo e os tradicionais, de trabalho intensivo
, e que, pela sua natureza e grandeza, se enquadram no mercado como price takers (algodão, chá, tabaco, etc.). O primeiro grupo com maior peso nas exportações (mais de 75%: alumínio, gás, energia e ilmenite) e o segundo, mais vulnerável à volatilidade do preço nos mercados internacionais, com menos peso nas contas nacionais. Desde logo surgem várias questões críticas a respeito dos efeitos desta dicotomia:

Os grandes investimentos com efeitos insignificantes no emprego e, por conseguinte, sem expressão em termos de consumo, e os efeitos multiplicadores, numa óptica de choque à procura agregada;

Os grandes projectos com um modelo de desenvolvimento em que na fase de investimentos acarretam grande défice em termos de balança de transacções correntes por duas razões: 1) pela importação de equipamentos; e 2) pela remuneração de factores de produção do exterior, muito particularmente juros, royalties e dividendos;
As grandes empresas sem impacto significativo na arrecadação de receitas fiscais, mas com efeitos negativos sobre o meio ambiente;

As grandes empresas com mercado estabelecido através de contratos específicos de venda, e importantes para o fecho do financiamento;

Os grandes investimentos com pacotes de financiamentos concebidos do exterior;

As empresas do sector tradicional, mais vulneráveis a riscos do mercado (price takers), algumas com mercado no Sul da Europa (caso do camarão, Espanha), e situações climatéricas adversas recorrentes, apresentam-se fragilizadas em termos de atractividade no retorno, na captação do financiamento, mas que, em contrapartida, empregam mais pessoas e provocam efeitos significativos ao nível do bem-estar social das comunidades.

Um modelo que se aproxima ao desiderato de crescimento e combate à pobreza.

O dilema do modelo de crescimento deverá também ser analisado no contexto da conjuntura económica internacional, onde se salientam determinados riscos de natureza sistemática a que os contratados supracitados não escapam. Com efeito, a crise económica e financeira do Ocidente teve impactos assinaláveis em termos de quebra de preços de produtos energéticos e no fluxo de financiamento, em razão de maior aversão ao risco nos países emergentes. No cenário actual, em que é visível a alteração na correlação de forças a favor dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o crescimento destas exportações de vários países é sustentado pela reorientação das mesmas para estes mercados. Não admira, pois, que o Brasil e a Índia estejam muito interessados no carvão, enquanto a África do Sul há muito que se posicionou para os recursos energéticos (Sasol, além da compra de energia a HCB). Os riscos, todavia, só serão mitigados se: 1) estes países empreenderem medidas que aumentem o poder de compra nos mercados internos, por forma a isolar o risco de correlação com o Ocidente, risco decorrente do modelo de exportações destas economias; 2) reorientarem as poupanças para o investimento em activos reais e em sectores de extracção de matéria-prima, numa óptica de diversificação das aplicações fora dos títulos do Tesouro do Ocidente.

Estes desafios colocam-se ao nível das políticas económicas e o posicionamento do sector financeiro para acompanhar esta evolução. Moçambique conseguiu com sucesso implementar reformas económicas, e hoje os frutos destes sacrifícios são visíveis: um sectror privado nacional dinâmico, um sector financeiro moderno, políticas fiscais e monetárias prudentes. No entanto, a nova dinâmica impõe riscos que decorrem de:

. Os prováveis efeitos do dutch disease, num cenário em que as políticas monetárias tiveram sucesso na desinflação. Esta situação é frequente nos países em que ganhos extraordinários são originados pela descoberta de recursos naturais, implicando a entrada em grande escala de divisas. Conduz à inflação de bens não transaccionáveis, encarece a vida da população e consolida a oligarquia financeira associada aos grandes investimentos;

Os efeitos sobre o meio ambiente em termos da redução dos níveis de produtividade da terra, assim como o trade-off que implica em relação ao turismo de sol e praia. Repare-se nos efeitos deste sector em toda a cadeia de valor;

As políticas fiscais necessárias para acomodar a necessidade de infra-estruturas, o crowding-out do investimento privado, a incapacidade da banca no financiamento de grande projectos, as ligações ao mercado externo e consequentes riscos de contágio, o cruzamento de políticas monetárias com as fiscais no estímulo à procura,... enfim, são vários os desafios a enfrentar no futuro próximo.

Mário Machungo - Ex-Primeiro Ministro de Moçambique, presidente do conselho de administração do banco Millennium BIM e presidente do Comité de Gestão do Lide Moçambique

Artigo extraido do expresso.sapo.pt

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